IA: as novas tecnologias e os velhos privilégios
- douglassrossi
- 15 de jul.
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“Em vez de destruir essas máquinas maravilhosas que produzem com eficiência e pouco gasto, por que não as controlamos?”
Jack London, O Tacão de Ferro (1907)
“A Inteligência Artificial afetará quase 40% dos empregos em todo o mundo”, escreveu a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, em artigo publicado no início de 2024 no IMFBlog, alertando para a necessidade de políticas que possam evitar o aprofundamento das desigualdades.

Seu artigo faz referência ao estudo intitulado “GEN-AI: Inteligência Artificial e o Futuro do Trabalho” que, ao destacar o potencial da IA em remodelar a economia global, especialmente no âmbito dos mercados de trabalho, sinaliza que as economias avançadas experimentarão os benefícios e as armadilhas da IA mais cedo do que as economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, em grande parte devido à sua estrutura de emprego focada em funções cognitivamente intensivas.
Para a equipe do Fundo Monetário, existem alguns padrões consistentes em relação à exposição à IA, com mulheres e indivíduos com ensino superior mais expostos, mas também mais bem preparados para colher os benefícios da IA, enquanto os trabalhadores mais velhos são potencialmente menos capazes de se adaptar à nova tecnologia.
De acordo com o estudo, a desigualdade de renda do trabalho pode aumentar com a complementaridade entre a IA e os trabalhadores de alta renda, enquanto os retornos de capital aumentarão a desigualdade de riqueza, concluindo ser urgente a atualização das estruturas regulatórias e políticas de apoio à realocação de mão de obra e proteção aos afetados negativamente.
Em contrapartida, estudo realizado pelo Fórum Econômico Mundial em 55 países estima que as novas tecnologias elevarão, até 2030, em 78 milhões o número de postos de trabalho no mundo, destaca matéria publicada pela Agência Brasil em janeiro deste ano.
De acordo com essas previsões, os novos empregos deverão se concentrar nas atividades de especialistas em Big Data, especialistas em inteligência artificial, desenvolvedores de software e aplicações, especialistas em gestão de segurança, especialistas em armazenamento de dados, especialistas em internet das coisas e motoristas de serviços de entrega (sic).
Assim como as promessas de que a chegada dos computadores nos anos 80 e a automação das tarefas iriam finalmente liberar os trabalhadores para atividades criativas e com maior tempo livre para dedicação às famílias, para o desfrute das artes e da prática de esportes, o mundo novo da IA se anuncia como o eldorado da eficiência e da produtividade.
O que na verdade se prenuncia é o aumento exponencial dos ganhos dos setores mais capacitados a investir rapidamente nessas novas tecnologias - leia-se os detentores dos meios de produção, e o impacto imediato nos mercados de trabalho - ampliando sobremaneira a exigência cognitiva e a carga de trabalho dos que permanecerem empregados.
Traduzindo: a IA é mais uma ferramenta para amplificar a dinâmica da exploração dos trabalhadores e extração da mais-valia.
No início do século 19, diante da mecanização das fábricas e do desemprego que se anunciavam, operários têxteis reagiram destruindo os teares mecânicos, enfrentando a tecnologia que ameaçava jogar na miséria milhares de trabalhadores.
Ainda hoje, o grande desafio das políticas de desenvolvimento é como combinar o inevitável surgimento das novas tecnologias com a melhoria das condições de trabalho, reduzindo jornadas e tornando mais justa a distribuição da riqueza advinda com os ganhos de produtividade.
Um bom começo seria estabelecer acordos internacionais que estendessem aos trabalhadores de todos os países os direitos e benefícios mais avançados praticados pelos mercados concorrentes, deixando de ser a exploração da mão de obra vantagem competitiva nas disputas comerciais, regulando a relação trabalhista internacional.
Aliás, uma providência mais do que necessária, na medida em que a plataformização digital permite às empresas a contratação em vários países distintos, sem necessariamente estabelecerem sedes locais, desrespeitando invariavelmente direitos básicos como respeito à segurança, à privacidade, à desconexão e ao controle da jornada de trabalho.
Outra questão fundamental é estabelecer princípios internacionais que disciplinem a subordinação e o vínculo entre as empresas e seus empregados, reduzindo a irresponsabilidade da pejotização e da terceirização travestidas de modernização das relações de trabalho e o assédio organizacional.
Construir esta agenda no âmbito do Direito Internacional é tarefa que se impõe diante da complexidade e do avanço das novas tecnologias, estabelecendo um novo conceito nas relações entre os países, a exigir de governos e legisladores muito mais do que o debate acerca da competição tarifária.
Uma nova ética para um novo tempo, onde a centralidade esteja no compartilhamento com trabalhadores e trabalhadoras dos ganhos de eficiência e produtividade, estando a inovação e a ciência a serviço da sociedade, e não do privilégio.
Referências:







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